A Ética dos Cristais e Plantas
Hoje vamos falar de um tópico que é sensível mas importante de ser referido nas nossas comunidades: A ética por detrás dos cristais e de (algumas) plantas.
Muitos de nós quando começamos a praticar Bruxaria (ou Paganismo) sentimo-nos rapidamente atraídos pela quantidade enorme de cristais bonitos e muitas cores que vemos nas lojas esotéricas e nos feeds das redes sociais de outros praticantes. E, é normal, que acabemos por começar a comprar os nossos próprios cristais, começar a nossa própria coleção e começar a trabalhar com eles. Mesma coisa com as plantas, vemos alguém a queimar sálvia ou palo santo e achamos que temos de ter aquilo ou a nossa prática "não é tão boa" ou "não é completa". E como estamos no início, nem nos lembramos de investigar mais sobre estas coisas e se realmente as devemos fazer. E é disso que venho falar hoje.
Começando pelos cristais, porque razão é que devemos ter atenção à forma como compramos e adquirimos cristais? A maioria dos cristais são minados em minas espalhadas pelo mundo inteiro, com principal foco em países da América do Sul, Ásia ou África. É comum que muitas destas minas alberguem trabalhadores em condições de pobreza extrema (ou até de exploração/escravatura/trabalho forçado) ou, em muitos casos, trabalhos infantis. Em 2019 o jornal o Guardian reportou que cerca de 85 mil crianças estavam a trabalhar em minas de exploração de cristais (como turmalina ou cornalina) em Madásgascar. E são esses cristais que depois são vendidos para países ocidentais com o objetivo de serem vendidos a preços exurbitantes e como "ferramentas de cura", enquanto as pessoas que estiveram nas minas vivem em pobreza e exploração. Para além destes dois factores, também a saúde das pessoas que trabalham nestas minas estão gravemente comprometida dado que o trabalho de polir cristais liberta vários tóxicos prejudiciais à saúde e principalmente aos sistemas respiratórios. E, infelizmente, grande parte destas minas não disponibiliza aos seus trabalhadores material apropriado para a sua própria proteção.
Para além do impacto nas pessoas que estão envolvidas diretamente no processo de extração dos minerais/cristais, também a própria natureza é afectada por esta atividade que tem tendência a criar contaminação de água potável e de vias aquáticas em redor das minas ou, até, destruindo habitats e cortando florestas para aceder a zonas passíveis de serem minadas.
Fez-te impressão ler isto? Acredito que sim mas, infelizmente, é a realidade associada ao comércio e à obtenção de cristais e pedras preciosas e para o qual estamos diretamente a contribuir quando não temos cuidado na obtenção dos nossos cristais. Sim, porque há formas de evitar isto! Como evitar? Bem...
- Tenta comprar sempre cristais em segunda mão, através de lojas de velharias, OLXs, Vinted, Facebook Marketplace, etc.
- Caso não consigas comprar em segunda mão, investiga bem as lojas a partir das quais estás a comprar os teus cristais e garante que a mesma consegue garantir (ou melhor ainda, tem política pública sobre o assunto) que os cristais são fornecidos de forma ética. Há vários fornecedores hoje em dia que garantem que a exploração dos cristais é feita de forma ética e cuidada através de um controlo apertado das condições e políticas em vigor em cada uma das minas.
- Utiliza cristais que encontres perto de ti! Procura na tua zona, principalmente perto de rios ou montanhas, e de certeza que encontrarás vários cristais, principalmente da família de quartzos que podem ser utilizados na tua prática. Não precisas de ter a malachite topo de gama para um feitiço funcionar, um quartzo encontrado no teu quintal é um excelente aliado (e que te pode ajudar a conectar melhor com a tua terra e local onde vives).
E a nível das ervas? Este é outro ponto importante nas nossas comunidades, contudo, vou apenas falar de duas plantas específicas que se tornaram virais e muito famosas nas redes sociais devido ao seu uso abusivo por parte de praticantes de new-age americanos que é a "Sálvia Branca" e o "Palo Santo". Estes dois tipos de planta são nativos das Américas e não existem (de forma natural/nativa) em territórios europeus. São plantas habitualmente utilizadas por povos indígenas em cerimónias religiosas e nos seus cultos pessoais contudo, ao longo dos últimos anos, vieram a ser apropriadas por praticantes de tradições new-age que acabaram por fomentar uma exploração de forma abusiva destas plantas que não só tem um impacto forte no ambiente (a sobre-exploração de uma planta acaba por criar complicações no solo e nos locais onde a mesma está a ser constante explorada) e, também, de um impacto forte a nível social, em que estas ervas são apropriadas aos povos indígenas (mais infos aqui). E, hoje em dia, é comum ver estas plantas à venda em imensas lojas esotéricas espalhadas por Portugal, inclusive a preços exorbitantes.
E a realidade é que nós não precisamos destas ervas. Sim, leram bem, não precisamos destas ervas. Portugal tem imensas plantas que lhe são nativas e que possuem exatamente os mesmos propósitos que a sálvia branca e o palo santos fazem, como o alecrim, a arruda, a sálvia normal, etc. São plantas que são nativas do nosso território, que são fáceis de plantar e de cuidar (inclusive em vasos) e que podem ser utilizadas para todas as coisas nas quais utilizariam as outras duas plantas. E com ainda mais vantagens! Principalmente as de que não estamos a importar plantas que precisam de vir do outro lado do mundo (e, por consequência, trazem consigo uma pegada ecológica muito má) e também porque ao estarmos a trabalhar com plantas que são nativas do local onde vivemos, acabamos por criar uma ligação ainda mais estreita com a flora e a natureza do local onde vivemos. As plantas são nossos aliados na nossa prática e nada melhor do que nos conectar com elas no seu local natural, ao invés de estarmos a mandar vir plantas de outro lado do mundo.
E vocês? Já sabiam disto?
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