• Home
  • Sobre
  • Diretório Pagão
    • O que é?
    • Portugal
    • Brasil
  • Recursos

Sob o Luar


A Roda do Ano é um dos primeiros conceitos que aprendemos quando chegamos à Bruxaria, principalmente através da Wicca. Rapidamente somos informados de que existem 8 Sabbats que devem ser celebrados, cada um na sua data específica e que, inclusive, as mesmas são adaptáveis para o Hemisfério Sul e o Hemisfério Norte! Contudo… nem toda a gente se identifica com a Roda do Ano. Ou até podem identificar-se com a Roda do Ano mas não gostam de todos os festivais ou até gostariam de ter mais alguns. É aqui que muitos praticantes encontram um impasse e ficam a sentir-se insatisfeitos com a sua prática e sentem-se numa encruzilhada entre o celebrar o tradicional e afastar-se totalmente do que é mandado. Mas… e se eu vos dissesse que há um meio termo? Que não precisa de ser só a Roda do Ano ou sem ela? 

A Roda do Ano é um guia de celebrações criado de propósito para a Wicca. Ela junta vários festivais, alguns até de culturas diferentes, e cria uma roda de festivais baseada na história da Deusa e do Deus Wiccano e com base em torno do ano agrícola e da fertilidade dos campos. Mas, hoje em dia, nem todos vivemos nos campos e nos identificamos com este tipo de ciclos. E nem todos prestamos culto a um Casal Divino ou até divindades cujos festivais se encaixem nestes mitos. Pessoalmente eu sou Pagã Helénica o que significa que a minha prática e as minhas celebrações são baseadas nas práticas da Grécia Antiga e não numa Roda do Ano agrícola. Contudo, desde cedo, fui ensinada a Roda do Ano e acabei por adaptar a minha prática a ela. E gosto de ainda manter algumas das práticas da Roda do Ano nas minhas celebrações. Por isso, criei a minha própria Roda do Ano que conta com as celebrações que me são mais importantes, as que são mais ligadas às minhas divindades, aquilo que me chama mais ou tem mais significado para mim, etc. 

O nosso caminho deve ser constituído pelas coisas que funcionam para nós e não apenas pelo que os livros ou autores ou membros das nossas comunidades "dizem que deve ser". Devemos ser nós a adaptar as nossas práticas ao que faz mais sentido para nós, individualmente. E isto estende-se também às práticas pessoais. Se eu não me identifico com a ideia do começo da Primavera enquanto celebração relacionada com as ovelhas e com o leite e vivo numa zona do país onde nem sequer há neve, não faz grande sentido (para mim) estar a celebrar o Imbolc. Mas, por exemplo, já dou mais importância ao Samhain que, apesar de não ser uma prática helénica, é um festival que tem bastante importância para mim, logo, opto por incluí-lo. Opto também por incluir celebrações a Hekate como o Deipnon ou o 13 de Agosto na minha Roda, dado que presto culto a esta divindade. Um devoto de Hermes, por exemplo, poderá incluir outros festivais que lhe são ligados. Mesma coisa com outras divindades e outros panteões. 

Para criar a nossa própria Roda do Ano recomendo sentarmo-nos e fazermos uma lista de todos os festivais e/ou celebrações que achamos interessantes ou pelos quais temos interesse. Façam uma lista de todos, sejam cinco, dez, vinte ou até trinta festivais. Incluam festivais locais da vossa zona ou país, feriados, aniversários, celebrações religiosas, festivais antigos, festivais da Roda Wiccana, etc. Tudo o que vos chamar a atenção ou interesse! E depois peguem num calendário e vejam em que altura calha cada um deles. Façam as adaptações que precisam, principalmente dependente dos hemisférios ou até do clima da zona onde se encontram e criem um protótipo de uma Roda do Ano vossa. E, depois, passem um ano a vivê-la e experimentar!

Sim, leram bem, experimentem durante um ano. A nossa prática não ficará definida num só dia nem numa sessão sentados em frente ao PC a pesquisar. A nossa prática está em constante movimento e mudança e isso não exclui os festivais e só experimentando e vendo como as energias fluem entre si é que vamos entender se é algo a manter a longo prazo ou não. E é isso que este exercício é: Ver o que flui, o que não flui, o que gostamos e não gostamos, o que funciona e não funciona. E depois mudar! E podemos mudar no final do ano ou a meio do ano. Se chegarem a Julho e virem que não está a dar e querem tentar outra coisa, mudem e continuem a experimentar. 

Pessoalmente fiz isto ao longo de 2020/2021: Criei a minha própria Roda do Ano, uma mistura entre festivais wiccanos, festivais helénicos, celebrações individuais e importantes para a minha prática pessoal, etc. E experimentei. E funcionou bem! Houve algumas coisas que optei por tirar porque não gostei da sensação ao longo do ano, outras que acabei por adicionar a meio do ano e outras que dei mais importância do que tinha pensando que iria dar inicialmente. Foi um processo de crescimento mas foi lindíssimo e planeio continuar em 2022 experimentando novas coisas e continuando a criar e a mexer na minha roda pessoal. 

E vocês? Vão criar a vossa própria Roda do Ano? Quais os vossos festivais favoritos? 

Crédito de Imagem: Unsplash (Natalia Y)

Nome do Festival: Yule (pronuncia-se “í-ule”) ou Solstício de Inverno
Data Tradicional: 21/22/23 de Dezembro (No Hemisfério Norte) e 21/22/23 de Junho (No Hemisfério Sul)
Data Astrológica: Sol a 0º de Capricórnio (HN) e Sol a 0º de Cancer/Caranguejo (HS)
Etimologia: Yule é a versão moderna das palavras do inglês antigo ġēol ou ġēohol e ġēola ou ġēoli, com a primeira indicando o festival de 12 dias de "Yule" e a última indicando o mês de "Yule". A linhagem etimológica da palavra permanece incerta, embora várias tentativas especulativas tenham sido feitas ao longo do tempo.
Correspondências de Cores: Vermelho, verde, dourado e cores invernais. 

Yule também denominado de Solstício de Inverno, Meio do Inverno e Alban Arthan é um dos Sabbats menores da Roda do Ano e marca a altura em que o Sol atinge o seu ponto mais baixo e se prepara, a partir daqui, para subir no céu e voltar a erguer-se fortemente e brilhar alto. Este é o dia em que a duração do dia é mais curta e a duração da noite é mais longa e, por isso, é um momento de renascimento: tanto do Sol que morre e nasce (simbolicamente) como de um renascimento pessoal. Para além disso, também se refere à promessa da fertilidade dos campos que, com os raios de luz do Sol e os dias que vão começar a crescer gradualmente, garantem alimento na mesa. Sendo também um momento escuro, dado que é a noite mais longa do ano, é um momento em que, em tempos antigos, os nossos antepassados se reuniam em casa, em torno da fogueira, e era um momento muito voltado para a família e para o convívio. Ainda nos dias de hoje isso se verifica, com celebrações de outras fés religiosas cujas datas coincidem com o Solstício de Inverno (ex. O Natal). 

No mito da Roda do Ano Wiccana é neste festival que se assinala o nascimento do Deus e em que a Deusa se torna Mãe, dando à luz a criança promessa, tal como o Sol que renasce. Este mito é partilhado por muitos outros caminhos religiosos (pagãos e abraâmicos) onde nesta altura do ano se assinala o nascimento de uma criança prometida. 

Uma das grandes tradições deste festival é acender um cepo na fogueira, o chamado Yule Log (poderá ser escolhido um tipo específico de madeira, dependendo da tradição de cada um). Isto é uma forma de contribuir, simbolicamente, para o reforço da Luz Solar e a sua vitória sobre as trevas. As brasas resultantes desta fogueira podem ser usadas como amuletos ou talismãs que carregam o poder da vitória do Sol para o resto do ano, colocando-se debaixo da cama para ajudar na saúde ou levar connosco como amuleto no dia-a-dia. 

Também o Bolo-Rei, uma grande tradição desta época do ano, é outro elemento importante neste festival. Este bolo pode ser considerado um símbolo do Sol pela sua forma redonda e branca e, ao mesmo tempo, pode também representar a terra com as suas frutas cristalizadas dentro de si (em semelhança à Terra que está com as sementes dentro de si, à espera do momento ideal para germinarem). Para mais informações e dicas sobre alimentação durante este festival, recomendo a leitura do nosso texto de Bruxaria de Cozinha e Yule que tem várias recomendações de comidas, pratos e ingredientes que podem marcar presença na nossa mesa nesta altura festiva. 

Uma árvore de Yule pode ser construída para simbolizar a alegria e alegrar a casa (decorada com azevinho e visco e cores entre o dourado, verde e vermelho – cores estas que também decoram o altar durante este período). Também toda a casa pode ser decorada de forma a ajudar o Sol a subir no céu, utilizando as cores da época e outras decorações alusivas ao Sol. 

E vocês? Como costumam celebrar esta festividade? 

Crédito de Imagem: Unsplash (Jessica Delp)

Hoje vamos falar do movimento do Sagrado Feminino, que é um movimento espiritual/religioso que tem bastante predominância nas nossas comunidades pagãs e que teve um papel bastante importante na expansão do culto da Deusa, principalmente nos Estados Unidos da América. 

O Sagrado Feminino é um termo bastante amplo para variadas tradições, caminhos e espiritualidades que, entre si, partilham de algumas características em comum, nomeadamente o Culto da Deusa. Na maioria dos casos, este culto da Deusa é feito a uma Divindade Feminina com várias faces ("Todas as Deusas são uma Deusa"). Algumas das autoras mais famosas deste movimento são a Starhawk e a Z. Budapest (ver nota 1) que com os seus textos, nas décadas de finais de 70s e 80s deram destaque ao movimento do Sagrado Feminino e ao surgimento de grupos e tradições dentro das mesmas. 

Hoje em dia, o movimento do Sagrado Feminino está espalhado por todo o Mundo e inclusive em Portugal temos vários grupos e tradições que se identificam como fazendo parte do movimento do Sagrado Feminino. Muitos dos praticantes deste movimento, contudo, não se identificam com a Bruxaria nem com o Paganismo, preferindo associar-se a práticas mais new age e espirituais do que às vertentes pagãs. A maioria acredita em Deusas ou no conceito da Deusa mas também se sente confortável em buscar coisas de várias culturas como chakras, yoga, santas do Cristianismo, entre outras. A forma de praticar esta religiosidade é bastante diversificada e vai depender da preferência de cada praticante. 

O Sagrado Feminino inclui o trabalho com o feminino interior, com o curar as feridas de séculos de opressão ao sexo feminino, curar as feridas de traumas*, desmistificar mitos relacionados com a sexualidade feminina, trabalhar com Divindades femininas, trabalhar com o nosso lado feminino da nossa polaridade (tanto homens como mulheres e não-binários, o Sagrado Feminino está aberto a toda a gente). Com isto não quer dizer necessariamente o trabalho com Divindades femininas mas com o conceito do Feminino como um todo. 

Para quem gostaria de explorar mais o conceito do Sagrado Feminino e, também, dos círculos de mulheres, recomendo a visita ao Teia de Thea, da Mirella Faur. A partir daqui irão conseguir encontrar mais recomendações de livros e informações úteis. Recomendo também uma olhadela ao blogue da Alva Möre (que já foi entrevistada aqui no blogue!) onde a mesma também fala do Sagrado Feminino. Temos também aqui no blogue um texto sobre Tendas Vermelhas.

E vocês, já conheciam este movimento?

Nota 1: Esta autora faz parte de um ramo, dentro do movimento do Sagrado Feminino, que é bastante anti-trans (TERF), no sentido em que não aceitam pessoas trans dentro dos seus círculos. Tem vindo a ser criticada e, inclusive, boicotada dentro das comunidades devido ao seu tipo de pensamento discriminatório, contudo, ao falar do começo deste movimento, é quase impossível não referir o seu nome, mas quero deixar claro que o Sob o Luar NÃO compactua com este tipo de discurso. Mulheres trans são mulheres! 

Crédito de Imagem: Pixabay (H. Newberry)

Olá a todes!

Hoje trago-vos uma entrevista com uma pessoa muito especial, a ProbablySininho (ela/ele/el): A Sininho foi uma das criadoras do servidor de Discord Refúgio da Bruxaria e é também uma presença activa e importante nas comunidades bruxescas, principalmente a nível do TikTok com quase 15 mil seguidores, por isso, quis fazer-lhe uma pequena entrevista para  podermos conhecer melhor a sua prática e caminho e, também, os conselhos que tem a dar para os nossos leitores! 

Abaixo coloco os links d Rosa, onde podem encontrar os seus projectos como o seu blog onde coloca artigos escritos por si (a destacar as críticas literárias e os textos sobre Deuses Lusitanos!), o TikTok onde mantém um fluxo constante de vídeos sobre variados temas como Bruxaria, Livros, LGBTQ+ e assuntos importantes para a comunidade em geral como Bullying ou Call-Outs a coisas controversas. Podem também encontrar a Sininho no seu Instagram e no seu Canal de Youtube, onde encontram unboxings do Baú do Portal de Hécate e episódios do seu podcast E-scritores.  

Nome: ProbablySininho ou Rosa
Blog: https://fora-destemundo.blogspot.com/
TikTok: https://www.tiktok.com/@probablysininho
Instagram: https://www.instagram.com/probablysininho/
Canal de Youtube: https://www.youtube.com/c/BeatrizRosaForaDesteMundo

***
  • Como descreverias a tua prática e o teu caminho pessoal?
Tanto em termos de bruxaria como de paganismo, considero-me eclética, com um grande foco em elementos e fadas. Aliás, gosto de adotar o termo “faerycraft” para descrever a minha prática, que é um termo que muitos outros praticantes de magia feérica adotam, apesar de não trabalhar tanto com as fadas irlandesas, mas sim com as portuguesas. O meu caminho sempre passou muito pelas fadas, e apesar de já ter experimentado outros tipos de magia e explorado outras crenças, é onde regresso sempre. Tirando as fadas, a minha prática e crença também inclui divindades de panteões variados, mas em especial Celta e Lusitano devido à sua conexão com mitologia feérica e Portugal.

  • Tens um grande interesse pelo panteão lusitano que é originário aqui da nossa Península Ibérica. O que te desperta esse fascínio pelo panteão? 
Ganhei interesse pelo panteão exatamente quando estava a dar o povo Lusitano na escola. Sempre adorei estudar mitologias, e achei estranho falar-se da mitologia grega, romana e celta, mas os lusitanos, que são dados como tão importantes na história da nossa terra, não terem nenhuma. Na altura descobri que sim, havia um panteão lusitano, mas a informação ainda era muito dispersa e eu não tinha as capacidades de pesquisa que tenho hoje, então fiquei na mesma. Mas o panteão lusitano ficou sempre na minha cabeça. 

Quando, mais tarde, descobri que muitos Deuses lusitanos teriam origem e seriam venerados na zona que inclui a terra da qual a minha família vem, senti ainda mais conexão com eles. Acredito que temos uma ligação forte com a terra em que estamos e em que nascemos, e que nascemos nessa terra por uma razão. Sempre adorei as histórias de seres de outro mundo que Portugal tem e que me eram passadas oralmente quando era pequena. Sou um pouco tradicional nesse aspecto, e entristece-me que a nossa mitologia esteja a ser cada vez mais esquecida, só contada de boca em boca em meios rurais – por isso é que tento partilhar esses mitos e Deuses na Internet, para dar a outros a oportunidade de sentir a conexão com a sua terra e antepassados através dos mesmos, ou até para explorar uma crença diferente daquelas que normalmente vemos.

  • Quais as tuas principais recomendações para alguém que quer começar a estudar sobre o panteão lusitano e a trabalhar com essas Divindades?
Primeiro, os livros Religiões da Lusitânia do José Leite Vasconcelos são um dever. Não podemos falar em paganismo moderno sem primeiro falar no paganismo antigo, principalmente com Deuses que não estão tanto na cultura popular, os livros de arqueologia são a nossa fonte de informação principal. Depois disso, procurar ouvir as histórias. O paganismo português sobrevive até agora principalmente pela tradição oral. Existem blogues e livros que recolhem estes depoimentos orais, mas para quem gostar de viajar, nada como ir ao norte e beira de Portugal visitar os locais onde se situam os altares a estes Deuses e perguntar sobre Eles. Quem sabe, até se descobre um mito ou dois que não vem em livro nenhum. 
Em termos de trabalho, como estes Deuses foram tão perdidos para a história, a primeira coisa a fazer é escolher que interpretação dos mesmos venerar. Tem um pouco essa vantagem, que por não sabermos bem como eram os rituais ou até organização do próprio panteão, podemos “criar o nosso” a partir do que sabemos. Por exemplo, existem pessoas que trabalham com Endovélico e Ataegina como Deuses Pai e Mãe, mas existem pessoas que escolhem Nabia e Quangeio para esse papel. Aqui temos de ter cuidado, e deixar o panteão lusitano ser lusitano, separado de influência de outras mitologias ou religiões abraamicas – a não ser que, claro, assim o escolhas fazer conscientemente. Existem muitas coisas geralmente aceites no panteão lusitano por neo-pagãos que são crença moderna não baseada na antiguidade, e eu pessoalmente não as rejeito de todo, como Ataegina ser uma Deusa da primavera semelhante a Proserpina, ou Trebaruna ser uma Deusa da guerra, ou Nabia ser a padroeira de Portugal. Acho poético, os neo-pagãos estarem a reconstruir o panteão lusitano pegando no puzzle incompleto que a história nos deixou e adicionando as suas próprias peças da sua crença, formando um novo panteão que cabe nos tempos modernos.

  • Muitos dos teus vídeos no TikTok são com enfoque em desmistificar várias coisas dentro das comunidades, principalmente as informações incorretas propagadas dentro da plataforma. Porque consideras importante fazer este trabalho? 
Para além de bruxa, sou jornalista, então desinformação faz-me sempre comichão. Estamos na era dos influencers, e o TikTok veio tornar ainda mais fácil qualquer pessoa ganhar uma plataforma. Isto faz com que muitas pessoas com más intenções, desinformadas ou com sede de poder ganhem um espaço para falar, e o seu conteúdo é em grande parte consumido por jovens adolescentes impressionáveis. A primeira vez que fiz um vídeo do género, foi porque vi jovens entre os 13-15 anos a perguntar a um destes influencers como canalizar um Deus para este falar e agir através de si, que este influencer dizia conseguir fazer e utilizava para fazer Tiktoks – neste caso, o próprio influencer também era jovem, e estava desinformado. Depois disto, apercebi-me da absoluta fonte de desinformação que é o Witchtok. É uma bola de neve, parece que vai ganhando mais e mais ideias erradas e perigosas, partilhadas para milhares de pessoas. Uma das que me fez rir foi a Hex que umas meninas fizeram às fadas – imagina, achares ter poder sob entidade liminais - que ainda nem abordei por achar tão ridículo. Pode parecer engraçado, mas é preocupante. Para pessoas que estão na comunidade há algum tempo e sabem identificar os sinais de espiritualidade tóxica e cultismos, isto são piadas completas, mas estes miúdos acreditam nestas ideias. No mínimo, ficam com complexos psicológicos devido às mesmas, no pior dos casos, alguém se aproveita deles e ficam traumatizados para a vida. Quero não só ser uma fonte de informação de confiança como uma fonte de verificação para estes jovens, para que assim eles possam encontrar o seu caminho de forma saudável.

  • Juntamente com um grupo de amigxs criaste um servidor de Discord (“Refúgio da Bruxaria”) que hoje é casa de mais de 300 pessoas e está em constante crescimento. O que vos levou a criar este espaço? Alguma vez esperaram que ficasse tão grande ou foi uma surpresa?
Criamos o Refúgio em 2020, quando o Witchtok estava no seu auge e éramos quase os únicos perfis do Witchtok em Portugal – tanto que nos conhecemos e ficamos amigxs por causa do Tiktok. Nesta altura Witchtokers maiores estavam a abrir os seus servidores de Discord, então tivemos alguns jovens portugueses a expressar por DMs que gostariam de ter servidores assim em Portugal, para socializar na sua língua com pessoas que pudessem conhecer cara a cara. Estávamos de férias, então criamos o servidor perante esses pedidos. Fizemos logo tudo direitinho e bem feito, informamo-nos sobre como devem funcionar servidores de comunidade e fizemos acomodações para termos um equilíbrio de socialização e informação, bem como a criação de um espaço seguro em que nenhuma prática ou pessoa seria discriminada. Claro, não era perfeito no início, o servidor já passou por muitas mudanças e adaptações necessárias para ser o espaço que é hoje, com mais de 300 pessoas. Confesso que nunca achei que fosse ficar tão grande nem durar tanto tempo. Pensei que assim que os Witchtokers grandes parassem de promover os seus próprios servidores, procura pelo nosso iria parar também. Mas não parou, e ver o quão as pessoas realmente precisavam daquele espaço e adoravam o Refúgio motivou para o melhorarmos e promovermos ainda mais. É um dos projetos de bruxaria que mais me orgulho. Quem me dera ter tido um espaço assim quando era adolescente e estava a começar a explorar todo este mundo na Internet. O Refúgio da Bruxaria é exatamente o que diz no nome – um refúgio, para todos os que precisem dele e queiram interagir com pessoas espirituais como nós.

  • As Fadas e a cultura Celta são também outros dos teus interesses. De onde nasceu este amor pelas Fadas e seres semelhantes?
Em parte, sempre estive no meio delas. Como já disse, histórias sobre as criaturas portuguesas foram-me passadas oralmente desde pequena, bem como a forma de lidar com as mesmas, que antes também já tinham sido passadas do meu avô para a minha mãe – claro, raramente se chamava aquilo de fadas, estávamos numa vila cristã, eram criaturas, anjos, demónios – mas quando se vai a ver, as criaturas cabem todas na ideia do que é uma fada pagã: um ser liminal ligado à natureza que nunca é completamente benevolente ou malévolo. A minha história favorita foi quando o meu avô encontrou um Gigante – uma criatura humanoide alta demais para ser humana que vagueia as montanhas -  que lhe pediu tabaco, comeu o cigarro e foi-se embora como se nada fosse. Depois também haviam muitas tradições Celtas que ainda aconteciam, como o Beltano, celebrado como Maio, em que se ia apanhar flores para fazer uma passadeira com as pétalas até casa para os espíritos bons entrarem. No meio rural é muito comum estas partes do paganismo antigo sobreviverem com um rótulo cristão.

Em meio urbano, continuava a ter esta paixão de menina pelas fadas. Dizia que as conseguia ver e explicava tudo o que sabia sobre elas à minha mãe, que na altura era inventado, baseado nas histórias que sabia e nos filmes do Peter Pan, que eu adorava. Aliás, gosto de brincar que a minha primeira oferenda às fadas foi a minha chucha, porque a única forma que a minha mãe teve de convencer-me a largá-la foi dizer que as fadas a queriam. Mais tarde, já com uns 10 anos e acesso à Internet, este amor pelas fadas tradicionais portuguesas e fantasia traduziu-se num interesse por mitologia Celta por esta ser grande influência nas tradições pagãs portuguesas e inspiração de maior parte dos livros de fantasia que gostava tanto de ler. Ora, não se consegue estudar mitologia Celta sem se falar das fadas, e quando descobri que existiam muitas, muitas mais do que aquelas que conhecia, a minha felicidade não teve fim, e comecei a estudá-las todas, como as identificar e regras a seguir. Foi a partir daí que comecei a considerar o paganismo e a bruxaria, que descobri por anexo, como crença a seguir.

  • Que recomendações darias a pessoas que querem começar a trabalhar com Fadas ou outros Seres Mágicos?
Para além de estudar, o mais importante é saber as regras de interação com fadas. Evitar eufemismos, ser sempre honesto, não dizer “obrigado”, não tentar raciocinar comportamento feérico, cumprir promessas, não dar nada acidentalmente, etc; Saber formas de proteção e banimento para cada tipo de fada. Aqui vai sempre depender do tipo de fadas que a pessoa tem interesse em trabalhar com: celtas, ibéricas, nórdicas, eslavas, alemãs. Cada uma destas tradições tem as suas histórias e divisões para a Boa Gente. Também pode adotar uma abordagem mais moderna, como a de Tara Sanchez, que gosto bastante, e dividir por nível de senciência e elemento associado. Recomendo muito o livro Urban Faery Magick dela, já agora, tem toda a informação que um praticante de magia feérica pode desejar e ainda exercícios para desenvolver ligação com as mesmas. Depois disso, é como qualquer outra prática que lide com entidades liminais: ter boa intuição e saber bem no que se está a meter. Não se brinca com a Boa Gente, todas as fadas têm a capacidade de ser perigosas. Largar a ideia popular das fadas como meninas com asas que são amigas e gostam de brincar, que vem de histórias de crianças e não da mitologia – a beleza destes seres é que são neutros – alguns podem ter mais tendência para o bem ou para o mal, mas não existem fadas boas nem fadas más. Interagir com a Boa Gente sendo uma pessoa decente com a noção que nada é completamente bom ou mau já é metade do trabalho. Nunca estar a praticar a medo, mas também nunca confortável ao ponto que é desrespeitoso. 

  • Se pudesses falar contigo própria quando estavas a começar a estudar Bruxaria e Paganismo, que conselhos gostarias de lhe dar? 
Não faças as coisas impulsivamente, nem tudo precisa de bruxaria como solução, vai estudar par ao teste de matemática em vez de fazer um sigilo. Quando passamos por aquela fase em que achamos que somos Deuses, podemos fazer algumas coisas de que nos arrependemos, penso que na minha adolescência precisaria de um sopapo de realidade para perceber que não se brinca com espiritualidade e há coisas que nunca conseguiremos controlar. 
Mas, acima de tudo, nunca deixes que ninguém te envergonhe por seres bruxa pagã. Ninguém tem o direito de dizer que a tua crença é melhor ou pior, de dizer que tens de praticar de certa forma, que és uma má pessoa por só praticar para ti – as tuas crenças são tuas e só tuas. Agarra-te a elas e não deixes que o mundo as abafe. Acredita em fadas, pois acreditar em fadas faz-te feliz.

***

Obrigada à Sininho por ter aceite este convite para a entrevista! E vocês leitores, gostaram de conhecer a Sininho? Vão ao seu blog e redes sociais e digam um olá! :) 
Mais Recentes
Mais Antigos

Apoia o Sob o Luar!

Apoia-nos no Ko-fi!

Temas

  • Análises Literárias (24)
  • Autores Convidados (2)
  • Bruxaria (37)
  • Celebrações (22)
  • Comunicados (3)
  • Comunidades (20)
  • Conceitos (31)
  • Cristais (5)
  • Divindades (17)
  • Druidismo (1)
  • Entrevistas (2)
  • Eventos (2)
  • Helenismo (13)
  • Iniciantes (33)
  • Instrumentos (1)
  • Kemetismo (1)
  • Locais (1)
  • Magia (21)
  • Métodos Divinatórios (41)
  • Organizações (5)
  • Paganismo (73)
  • Quotidiano (13)
  • Reconstrucionismo (2)
  • Rituais (3)
  • Textos Mágicos (3)
  • Wicca (26)

Recomendações

 
 
 

Arquivos

  • ► 2024 (3)
    • março (1)
    • janeiro (2)
  • ► 2023 (11)
    • dezembro (2)
    • novembro (3)
    • outubro (2)
    • setembro (1)
    • abril (1)
    • janeiro (2)
  • ► 2022 (26)
    • dezembro (2)
    • novembro (2)
    • outubro (2)
    • setembro (2)
    • agosto (2)
    • julho (2)
    • maio (2)
    • abril (3)
    • março (3)
    • fevereiro (2)
    • janeiro (4)
  • ▼ 2021 (40)
    • dezembro (4)
    • novembro (4)
    • outubro (4)
    • setembro (5)
    • agosto (2)
    • julho (4)
    • junho (4)
    • maio (3)
    • abril (5)
    • março (4)
    • janeiro (1)
  • ► 2020 (25)
    • dezembro (3)
    • novembro (2)
    • outubro (3)
    • setembro (3)
    • agosto (3)
    • julho (4)
    • abril (2)
    • março (3)
    • fevereiro (1)
    • janeiro (1)
  • ► 2019 (24)
    • dezembro (2)
    • novembro (3)
    • outubro (1)
    • agosto (2)
    • julho (1)
    • junho (3)
    • maio (4)
    • abril (3)
    • março (3)
    • fevereiro (1)
    • janeiro (1)
  • ► 2018 (14)
    • novembro (2)
    • outubro (1)
    • setembro (1)
    • agosto (1)
    • julho (2)
    • maio (2)
    • abril (3)
    • março (1)
    • janeiro (1)
  • ► 2017 (26)
    • dezembro (1)
    • novembro (3)
    • setembro (3)
    • junho (1)
    • maio (6)
    • abril (3)
    • março (4)
    • fevereiro (3)
    • janeiro (2)
  • ► 2016 (17)
    • dezembro (3)
    • novembro (2)
    • outubro (2)
    • setembro (2)
    • agosto (2)
    • julho (1)
    • junho (4)
    • maio (1)

Template por BeautyTemplates | Política de Privacidade

Este trabalho é dedicado às Senhoras Ἑκάτη (Hekate) e Περσεφόνη (Persephone)

Sob o Luar by Alexia Moon/Mónica Ferreira is licensed under CC BY-NC-ND 4.0