Ao longo do nosso caminho dentro do Paganismo é expectável que acabemos por ouvir falar dos "Mistérios", de forma vaga e como se toda a gente soubesse o que eles são. Quase como se fosse um dado adquirido semelhante ao céu ser azul ou a água molhar. Contudo, a realidade, é que muita gente não sabe o que são os Mistérios nem entende ao certo o que é o conceito de mistérios e porque razão este conceito é importante. E é disso que vamos falar hoje, do que são os mistérios, o porquê do nome, a forma como os mesmos acabam por ser utilizados como justificação para atos errados e mais.
Para começar, o que são os Mistérios? Os Mistérios é o nome que é dado basicamente à informação ou conhecimento que é adquirido através da prática de certas tradições ou práticas e que é, por norma, entregue diretamente por Divindades ou por representantes Delas, mediante as práticas feitas. Um exemplo comum dos Mistérios é, por exemplo, os Mistérios de Eleusis na Grécia Antiga em que era realizado anualmente um grande ritual, de vários dias, onde no final através da ajuda dos Sacerdotes e Sacerdotisas, os participantes eram iniciados nos "Mistérios" que lhes trazia um determinado número de benefícios a nível espiritual e religioso (principalmente, suspeita-se, no pós-vida). Até hoje ninguém sabe o que era feito nesses rituais, pois os mesmos eram, como o nome indica, um mistério, só conhecido aos que realizavam esses rituais. Hoje em dia, no Paganismo Moderno, também temos tradições que possuem Mistérios, como é o caso da Wicca. A iniciação dentro da Wicca Tradicional, e a passagem pelos seus Graus, implica a aprendizagem de Mistérios próprios à Religião e que são comuns a todos os praticantes dentro daquela tradição em específico.
Mas, já sei a pergunta, porque motivo este conhecimento não pode apenas vir nos livros? Porque não é um conhecimento que seja aprendido em livros. Durante a minha ordenação enquanto Sacerdotisa na Fellowship of Isis também estive em contacto com Mistérios e reconheço que não os teria conseguido aprender apenas lendo em livros, porque os Mistérios são uma vivência. São algo que é necessário ser sentido na pele e na nossa alma, é algo que nos transforma de dentro para fora e é algo único mas comum a todos os que passaram por aquele processo. E, na maioria dos casos, acaba por estar dentro de caminhos que requerem uma iniciação ou até um voto de secretismo (tal como acontecia na Antiguidade, no caso dos Mistérios de Eleusis ou os Mistérios Dionisíacos), de forma a garantir que não existe uma banalização deste tipo de experiências religiosas.
Porém, e infelizmente, isto também faz com que o termo de Mistérios seja utilizado, indevidamente, como justificação para ações condenáveis dentro das nossas comunidades como grooming, abusos, manipulação, controlos e outros casos ainda piores. Enquanto comunidade não estamos isentos de pessoas com más intenções e que se aproveitam das nossas coisas para distorcê-las e utilizá-las como armas para objetivos nefastos. Como tal, isto implica que tenhamos de ter cuidados redobrados e implica também que os nossos Sacerdotes e Sacerdotisas tenham de se adaptar a esta realidade quando em diálogo com interessades em iniciar-se em tradições de Mistérios.
O que quero dizer com isto? Basicamente é necessário haver frontalidade e honestidade. Os Mistérios são, em grande maioria, iniciáticos e secretos mas isso não implica que não sejam divulgadas informações fulcrais e que poderão ser cruciais para a tomada de decisão dos que estarão a ser iniciados nos mesmos. Um Mistério não deixa de ser menos mistério se informarmos o praticante de que a nudez é obrigatória. Ou que é um ritual onde poderá assistir a um ato sexual. Ou que é um ritual que vai implicar ter de comer carne. Estas coisas podem (e muitas vezes são) deal-breakers para os envolvidos e pode ser a diferença entre aceitarem e não aceitarem. E isso é OK! É melhor a pessoa saber (e nós, enquanto Sacerdotes/isas sabermos) com antecedência e dizer que não do que ser sujeitada a algo que não quer e já ser tarde demais para dizer que não ou sentir-se pressionada a dizer que sim. Ninguém deve se sujeitar a algo que não quer só porque sim. Se uma tradição requer algo que não gostamos (ex: nudez ritual) é porque não é uma tradição para nós e está na altura de procurar outra. E, enquanto Sacerdotes/isas, sabemos que aquela pessoa não era a indicada para o caminho que ensinamos e deixamos ir, com a consciência tranquila que fomos frontais e honestes no que diz respeito ao que praticamos.
Por fim, nem todos os caminhos têm ou usam o conceito de Mistérios. Nem todos os caminhos precisam de usar o conceito dos Mistérios. É algo que alguns caminhos têm e outros não e depende de cada praticante saber e entender se é algo com o qual se sente confortável ou não. Contudo, depende dos Sacerdotes/isas das nossas comunidades serem honestos e transparentes e os nossos praticantes/iniciantes serem cuidadosos nas suas buscas. Juntos conseguimos melhorar as nossas comunidades, mantendo as nossas tradições e práticas, e criando espaços mais seguros para todes!
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